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quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

O REGISTRO DIÁRIO E O TRABALHO PEDAGÓGICO

Celma de Sousa Andrade Fonseca[1]

A prática de registro do trabalho docente implica em questionamentos que precisam ser discutidos no que se refere à relevância que este instrumento tem no desenvolvimento do trabalho pedagógico dos professores.
De acordo com Ostetto (2010) [2] o “registro escrito é o espaço pessoal do educador para marcar seus vividos. É tentar compreender o passado estabelecendo relações com a continuidade do trabalho, o que veio antes e o que virá depois”. Acredita-se que o exercício de escrita do registro diário pode contribuir para que os professores revejam sua trajetória entre o planejado e o vivenciado pelo grupo: crianças e educadores numa perspectiva de reflexão entre teoria e prática.
Compreender o registro como construção de história de um grupo e percebê-lo como elemento formativo das práticas contribui para a “[...] historicidade do processo de construção dos conhecimentos, porque ilumina a história vivida e auxilia a criação do novo a partir do velho” (WARSCHAUER, 1993, p. 63).
Coadunando com as ideias de Ostetto; Oliveira; Messina (2002, p. 19), entende-se o registro como “palavras que narram histórias, tecem memória. Palavras que geram reflexão, avaliação, apropriação do conhecimento, pensamento sistematizado”. Mais Informações...
É pertinente destacar que a ação de registrar o trabalho cotidiano refletindo a prática docente é um ato de coragem, em que os professores podem rever conceitos e concepções, apresentar os interesses do grupo de crianças, ampliar as expectativas de aprendizagem e desenvolvimento ao possibilitar o processo crítico do trabalho na busca de novos saberes.
Nesta defesa defende-se a importância do registro por este possibilitar que os sujeitos reflitam sobre o trabalho docente compreendendo a dinâmica da Educação Infantil de atender as necessidades, especificidades e interesses das crianças, ampliando e possibilitando construir conhecimentos numa perspectiva dialética que compreende a criança como sujeito histórico.
A temática possibilita a reflexão de que o registro pode propiciar visibilidade dos avanços e retrocessos que caracterizam o espaço educativo, numa perspectiva dialética e dialógica de quem vivencia e evidencia suas práticas socializando com os sujeitos os fazeres educativos.
Compreende-se que o registro diário realizado nas instituições de Educação Infantil pode se constituir em uma ferramenta importante na ação pedagógica dos professores que atuam nesta etapa da Educação Básica e que se configura como um instrumento que pode repertoriar o professor no processo de refletir e avaliar sua prática, esta compreendida pelo desenvolvimento do trabalho intencional, que visa atender determinados objetivos.
Na educação infantil busca-se a relação entre o cuidar e educar, estes compreendidos por sua centralidade e significados distintos conceituados no campo da educação como ações indissociáveis no trabalho educativo junto às crianças.
De acordo com Barbosa; Alves; Martins (2011, p. 144),

Essa concepção requer que no planejamento se organizem dinamicamente os processos de cuidado e educação, expressos em temáticas e atividades propostas pelo professor e pela instituição para serem apropriadas e experenciadas/desenvolvidas pelas crianças, de tal forma que elas abranjam movimentos, tempos e espaços adequados e compartilhados.

Interligando o planejamento das ações desenvolvidas junto às crianças defende-se que o registro seja instrumento constituinte do trabalho pedagógico, pois ao registrar a prática docente este pode possibilitar que o professor reflita sobre seu trabalho e socialize com seus pares as conquistas e inquietações surgidas no contexto educativo.
Para Ostetto (2010) o registro diário deve ser concebido como
Um documento do professor, espaço no qual pode marcar suas incertezas, assim como suas conquistas e descobertas. Dessa forma o educador vai tomando o seu fazer nas mãos, responsabilizando-se pela sua própria formação (OSTETTO, 2010, p. 15-16).

Assim torna-se importante compreender que o registro seja um documento que represente os significados que os sujeitos dão à sua prática pedagógica a partir registros.
Compreende-se que o registro pode se constituir de diferentes formas nas instituições de ensino apresentando nas escritas individuais as reflexões que o professor faz sobre sua prática.
Autores, dentre eles Leite (2010), defendem que o registro “assegura a visibilidade do trabalho existente, tornando-se uma espécie de testemunho da escuta e do olhar atento de professores e professoras” (LEITE, 2010, p. 33). Ressalta-se de que no registro os sujeitos apontem fatos relevantes do trabalho cotidiano junto às crianças, principalmente as reflexões dos professores sob sua prática.   
Ao registrar, o professor reflete sua prática, seus objetivos e intencionalidades indicando novas possibilidades, com isto o registro passa se configurar em instrumento da organização do trabalho pedagógico.  
Para Libâneo (2008), o trabalho pedagógico
Trata-se da organização dos meios de trabalho escolar em função de sua especificidade e dos objetivos educacionais, propiciando as melhores condições possíveis para o desenvolvimento do ensino e da aprendizagem dos alunos (LIBÂNEO, 2008, p. 207). 

Destaca-se que os sujeitos do espaço escolar são responsáveis pelos processos educativos que levem os sujeitos a aprenderem e se desenvolverem através das interações e intencionalidades tendo como objetivo principal a criança educada.
Em relação à definição de objetivos do trabalho junto às crianças estes criam condições dos sujeitos refletirem sua prática no desenvolvimento da ação docente.
O planejamento visto enquanto instrumento das práticas educativas e conceituado por Barbosa; Alves; Martins (2010, p. 02), como
Ação de projetar, dar direção, traçar um plano, programar, elaborar um roteiro, ordenar, sequenciar, definir prioridades, criar possibilidades de interação e experiências, para favorecer a apropriação pelas crianças de conhecimentos, afetos e atitudes, permitindo diferentes manifestações expressivas das crianças e, também, do professor.

Para as autoras citadas acima a organização do trabalho pedagógico na Educação Infantil se apresenta como “ação ou processo de planejar e estruturar intencionalmente a atividade educativa dos professores, gestores e outros agentes envolvidos no Projeto Político Pedagógico de instituições de Educação Infantil (…)” (BARBOSA; ALVES; MARTINS, 2010, p. 01).
Enquanto função do planejamento entende-se que este tem a função que antecipar o trabalho docente definindo objetivos e finalidades educativas que se pretende oportunizar. Desta forma na organização do trabalho pedagógico organiza-se as ações cotidianas para o desenvolvimento das práticas. 
É pertinente apontar que o papel do professor defendido aqui é o do sujeito que compreende “que a atividade pedagógica está além da memorização e da repetição (...)” (BARBOSA; ALVES; MARTINS, 2011, p. 143). Esta ideia remete ao que se compreende sobre o registro como instrumento possibilitador que dá visibilidade ao planejamento apontando as vivências cotidianas do trabalho com crianças pequenas e apontado como um importante instrumento que oportuniza o professor refletir sobre sua prática.
Ostetto (2010), que compreende o registro como
[…] espaço privilegiado da reflexão do professor, converte-se em atitude vital. Quando vivenciado no seu sentido profundo, com significado, dá apoio e oferece base para o professor seguir sua jornada educativa junto com as crianças. Nesses termos, é verdadeiramente um instrumento do seu trabalho, articulando-se ao planejamento e à avaliação (OSTETTO, 2010, p. 13).

O registro enquanto instrumento do trabalho pedagógico é apresentado na Resolução nº 108 e delibera sobre o regime de funcionamento dos Centros Municipais de Educação Infantil da Rede Municipal de Educação de Goiânia e no artigo 26 traz como atribuições do trabalho docente “planejar, desenvolver, avaliar, acompanhar e registrar as atividades do processo educativo, numa perspectiva coletiva” (GOIÂNIA, 2004).
A Divisão de Educação Infantil (DEI) sistematizou algumas orientações sobre os diferentes registros de responsabilidade dos professores. Estes objetivaram orientar quanto à elaboração dos documentos sendo estes: registro diário, relatório mensal do agrupamento/turma e relatório do processo de aprendizagem e desenvolvimento da criança.
Em relação ao registro diário os professores são orientados a realizá-los
[…] diariamente. Para que isso aconteça, efetivamente, o professor deverá organizar-se para que possa registrar de forma significativa aspectos relevantes da aprendizagem e desenvolvimento das crianças e refletir sobre a sua prática. É importante ressaltar que não será possível registrar tudo, de todas as crianças, todos os dias. (GOIÂNIA/SME, 2011).

Warschauer (1993, p. 63), que afirma “o registro permite que vejamos a historicidade do processo de construção dos conhecimentos, porque ilumina a história vivida e auxilia a criação do novo a partir do velho”. Escrever não é algo fácil e natural principalmente em dizer sobre nossa prática, do trabalho com crianças pequenas, pois demanda além da descrição dos acontecimentos a reflexão da ação onde tudo é possível. Descrever é o início do processo e que leva os sujeitos a se inquietarem ou não na sua produção escrita. 
Registrar não tem regras, mas não pode ser entendido somente como instrumento que assegura a ação pedagógica e que dá segurança/garantia sobre os acontecimentos para a Equipe Diretiva e famílias.
Para Ostetto; Oliveira; Messina (2001, p. 24), este “não pode ser concebido, nem utilizado como forma de controle, de qualquer coordenador ou supervisor”, e complementamos da família e comunidade. O registro diário é compreendido como avaliação do trabalho docente.
Para Lopes (2009), “o registro está ancorado em determinado planejamento – e, com ele, em uma concepção de escola, de criança, de educação – e em início na observação atenta e cuidadosa por parte do educador” (LOPES, 2009, p. 64).
Machado (2010) considera em sua pesquisa que as profissionais
[…] registram como transcorre o trabalho, as participações e os interesses demonstrados pelo grupo de crianças. Todavia, nem todas expressam em seus relatórios uma análise crítica do que foi desenvolvido, com apontamentos dos aspectos que necessitam de redimensionamento. A observação cuidadosa e a análise crítica se constituem aprendizagens realizadas no decorrer da carreira docente, alterando-se diante das necessidades e dúvidas sinalizadas, que se diferenciam em cada momento (MACHADO, 2010 p. 11-12).

Nesta perspectiva o registro é “constituído a partir da prática e a subsidia, tendo como referência a observação e a avaliação do que foi concretizado. Essas professoras valem-se desses registros para redimensionar sua ação docente” (MACHADO, 2010, p. 13),
Outra questão relevante refere-se à socialização dos registros nas instituições de Educação Infantil. Para Lopes (2009), o não entendimento das instituições educativas quanto ao registro pode gerar a não reflexão do trabalho docente passando para a descrição das atividades, pois a
[…] desconsideração da importância do registro certamente impede a concretização de práticas dessa natureza; os professores não registram porque não conhecem esse instrumento, porque escrever é difícil, porque registrar sozinho demanda esforço para lidar com o isolamento, quando a proposta não integra o projeto político pedagógico institucional (LOPES, 2009, p. 114).

Na defesa de que o registro também se constitua em instrumento de memória institucional concordamos com Lopes (2009), quando defende que os profissionais
Ao registrar, produzem memória, deixamos uma marca no tempo. Consideramos então importante resgatar práticas de registro na história da Educação Infantil, tentando identificar os pressupostos e as concepções a elas subjacentes. Conhecer a história para compreender o presente, percebendo no passado as raízes do que vivemos no momento atual (LOPES, 2009, p. 94).

Por fim considera-se que o registro na organização do trabalho pedagógico é um instrumento necessário para a reelaboração constante por compreender que este deve ser assumido pelos profissionais enquanto instrumento formativo, reflexivo e avaliativo e por representar os sentidos e significados que os sujeitos dão à prática docente.

 REFERÊNCIAS

BARBOSA, Ivone G.; ALVES, Nancy N. de L.; SILVEIRA, Telma A. T. M. O professor e o trabalho pedagógico na educação infantil. In: LIBÂNEO, José Carlos; SUANNO, Marilza Vanessa Rosa; LIMONTA, Sandra Valéria (org.). Didática e práticas de ensino: texto e contexto em diferentes áreas do conhecimento. Goiânia: CEPED/ Editora PUC Goiás, 2011. [p. 133-149]

GOIÂNIA. Secretaria Municipal de Educação. Orientação para elaboração do relatório individual do processo de aprendizagem e desenvolvimento da criança e do relatório mensal do agrupamento/ turma. Goiânia, SME/DEI, 2010. 

_________. Secretaria Municipal de Educação. Regimento dos Centros Municipais de Educação Infantil. Goiânia, 2004.

LEITE, Maria Isabel. Linguagens e autoria: registro, cotidiano e expressão. In: OSTETTO, Luciana E.; LEITE, Maria Isabel. Arte, infância e formação de professores: autoria e transgressão. 6. ed. Campinas-SP: Papirus, 2010. [p. 25-39]

LIBÂNEO, José Carlos. Organização e gestão da escola: teoria e prática. 5. ed. Goiânia: MF Livros, 2008.

LOPES, Amanda Cristina Teagno. Educação Infantil e registro de práticas. São Paulo: Cortez Editora, 2009.

MACHADO, Ilze Maria Coelho. Registros pedagógicos de professoras da educação infantil. In: ANPED, 33, 2010. Caxambu. Anais… Caxambu, 2010.


OSTETTO, Luciana Esmeralda. Observação, registro, documentação: nomear e significar as experiências. In: OSTETTO, Luciana Esmeralda (org.). Educação Infantil: saberes e fazeres da formação de professores. 3. ed. Campinas, SP: Papirus, 2010. [p. 13-32]

OSTETTO, Luciana Esmeralda; OLIVEIRA, Eloisa Raque de; MESSINA, Virgínia da Silva. Deixando Marcas...: prática do registro no cotidiano da educação infantil. Florianópolis: Cidade Futura, 2002.

WARSCHAUER, Cecília. A Roda e o registro: uma parceria entre professor, alunos e conhecimento. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.




[1] Formada em Pedagogia e Especialista em Educação Infantil pela Universidade Federal de Goiás. Professora Coordenadora do Centro Municipal de Educação Infantil 13 de Maio.
[2] Palestra proferida na V Conferência do Projeto Educação Infantil Tecendo sua História, promovida pela Secretaria Municipal de Educação/Departamento Pedagógico em 05 de março de 2010.

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