Celma
de Sousa Andrade Fonseca[1]
A prática de registro do trabalho docente implica em
questionamentos que precisam ser discutidos no que se refere à relevância que
este instrumento tem no desenvolvimento do trabalho pedagógico dos professores.
De acordo com Ostetto (2010) [2]
o “registro escrito é o espaço pessoal do educador para marcar seus vividos. É
tentar compreender o passado estabelecendo relações com a continuidade do
trabalho, o que veio antes e o que virá depois”. Acredita-se que o exercício de
escrita do registro diário pode contribuir para que os professores revejam sua
trajetória entre o planejado e o vivenciado pelo grupo: crianças e educadores
numa perspectiva de reflexão entre teoria e prática.
Compreender o registro como construção de história de um
grupo e percebê-lo como elemento formativo das práticas contribui para a “[...]
historicidade do processo de construção dos conhecimentos, porque ilumina a
história vivida e auxilia a criação do novo a partir do velho” (WARSCHAUER,
1993, p. 63).
Coadunando com as ideias de Ostetto; Oliveira; Messina
(2002, p. 19), entende-se o registro como “palavras que narram histórias, tecem
memória. Palavras que geram reflexão, avaliação, apropriação do conhecimento, pensamento
sistematizado”. Mais Informações...
É pertinente destacar que a ação de registrar o trabalho
cotidiano refletindo a prática docente é um ato de coragem, em que os
professores podem rever conceitos e concepções, apresentar os interesses do
grupo de crianças, ampliar as expectativas de aprendizagem e desenvolvimento ao
possibilitar o processo crítico do trabalho na busca de novos saberes.
Nesta defesa defende-se a importância do registro por este
possibilitar que os sujeitos reflitam sobre o trabalho docente compreendendo a
dinâmica da Educação Infantil de atender as necessidades, especificidades e
interesses das crianças, ampliando e possibilitando construir conhecimentos
numa perspectiva dialética que compreende a criança como sujeito histórico.
A temática possibilita a reflexão de que o registro pode
propiciar visibilidade dos avanços e retrocessos que caracterizam o espaço
educativo, numa perspectiva dialética e dialógica de quem vivencia e evidencia
suas práticas socializando com os sujeitos os fazeres educativos.
Compreende-se que o registro
diário realizado nas instituições de Educação Infantil pode se constituir em
uma ferramenta importante na ação pedagógica dos professores que atuam nesta
etapa da Educação Básica e que se configura como um instrumento que pode
repertoriar o professor no processo de refletir e avaliar sua prática, esta
compreendida pelo desenvolvimento do trabalho intencional, que visa atender
determinados objetivos.
Na educação infantil busca-se a
relação entre o cuidar e educar, estes compreendidos por sua centralidade e
significados distintos conceituados no campo da educação como ações
indissociáveis no trabalho educativo junto às crianças.
De acordo com Barbosa; Alves;
Martins (2011, p. 144),
Essa concepção requer que no
planejamento se organizem dinamicamente os processos de cuidado e educação,
expressos em temáticas e atividades propostas pelo professor e pela instituição
para serem apropriadas e experenciadas/desenvolvidas pelas crianças, de tal
forma que elas abranjam movimentos, tempos e espaços adequados e
compartilhados.
Interligando o planejamento das
ações desenvolvidas junto às crianças defende-se que o registro seja instrumento
constituinte do trabalho pedagógico, pois ao registrar a prática docente este
pode possibilitar que o professor reflita sobre seu trabalho e socialize com seus
pares as conquistas e inquietações surgidas no contexto educativo.
Para Ostetto (2010) o registro
diário deve ser concebido como
Um documento do professor, espaço
no qual pode marcar suas incertezas, assim como suas conquistas e descobertas.
Dessa forma o educador vai tomando o seu fazer nas mãos, responsabilizando-se
pela sua própria formação (OSTETTO, 2010, p. 15-16).
Assim torna-se importante
compreender que o registro seja um documento que represente os significados que
os sujeitos dão à sua prática pedagógica a partir registros.
Compreende-se que o registro pode
se constituir de diferentes formas nas instituições de ensino apresentando nas
escritas individuais as reflexões que o professor faz sobre sua prática.
Autores, dentre eles Leite (2010),
defendem que o registro “assegura a visibilidade do trabalho existente,
tornando-se uma espécie de testemunho da escuta e do olhar atento de
professores e professoras” (LEITE, 2010, p. 33). Ressalta-se de que no registro
os sujeitos apontem fatos relevantes do trabalho cotidiano junto às crianças,
principalmente as reflexões dos professores sob sua prática.
Ao registrar, o professor reflete
sua prática, seus objetivos e intencionalidades indicando novas possibilidades,
com isto o registro passa se configurar em instrumento da organização do
trabalho pedagógico.
Para Libâneo (2008), o trabalho
pedagógico
Trata-se da organização dos meios
de trabalho escolar em função de sua especificidade e dos objetivos
educacionais, propiciando as melhores condições possíveis para o
desenvolvimento do ensino e da aprendizagem dos alunos (LIBÂNEO, 2008, p.
207).
Destaca-se que os sujeitos do
espaço escolar são responsáveis pelos processos educativos que levem os
sujeitos a aprenderem e se desenvolverem através das interações e
intencionalidades tendo como objetivo principal a criança educada.
Em relação à definição de objetivos
do trabalho junto às crianças estes criam condições dos sujeitos refletirem sua
prática no desenvolvimento da ação docente.
O planejamento visto enquanto
instrumento das práticas educativas e conceituado por Barbosa; Alves; Martins
(2010, p. 02), como
Ação de projetar, dar direção,
traçar um plano, programar, elaborar um roteiro, ordenar, sequenciar, definir
prioridades, criar possibilidades de interação e experiências, para favorecer a
apropriação pelas crianças de conhecimentos, afetos e atitudes, permitindo
diferentes manifestações expressivas das crianças e, também, do professor.
Para as autoras citadas acima a
organização do trabalho pedagógico na Educação Infantil se apresenta como “ação
ou processo de planejar e estruturar intencionalmente a atividade educativa dos
professores, gestores e outros agentes envolvidos no Projeto Político
Pedagógico de instituições de Educação Infantil (…)” (BARBOSA; ALVES; MARTINS,
2010, p. 01).
Enquanto função do planejamento entende-se
que este tem a função que antecipar o trabalho docente definindo objetivos e
finalidades educativas que se pretende oportunizar. Desta forma na organização
do trabalho pedagógico organiza-se as ações cotidianas para o desenvolvimento
das práticas.
É pertinente apontar que o papel
do professor defendido aqui é o do sujeito que compreende “que a atividade
pedagógica está além da memorização e da repetição (...)” (BARBOSA; ALVES;
MARTINS, 2011, p. 143). Esta ideia remete ao que se compreende sobre o registro
como instrumento possibilitador que dá visibilidade ao planejamento apontando
as vivências cotidianas do trabalho com crianças pequenas e apontado como um importante
instrumento que oportuniza o professor refletir sobre sua prática.
Ostetto (2010), que compreende o
registro como
[…] espaço privilegiado da
reflexão do professor, converte-se em atitude vital. Quando vivenciado no seu
sentido profundo, com significado, dá apoio e oferece base para o professor
seguir sua jornada educativa junto com as crianças. Nesses termos, é
verdadeiramente um instrumento do seu trabalho, articulando-se ao planejamento
e à avaliação (OSTETTO, 2010, p. 13).
O registro enquanto instrumento do trabalho pedagógico é
apresentado na Resolução nº 108 e delibera sobre o regime de funcionamento dos
Centros Municipais de Educação Infantil da Rede Municipal de Educação de Goiânia
e no artigo 26 traz como atribuições do trabalho docente “planejar,
desenvolver, avaliar, acompanhar e registrar as atividades do processo
educativo, numa perspectiva coletiva” (GOIÂNIA, 2004).
A Divisão de Educação Infantil (DEI) sistematizou algumas
orientações sobre os diferentes registros de responsabilidade dos professores.
Estes objetivaram orientar quanto à elaboração dos documentos sendo estes: registro
diário, relatório mensal do agrupamento/turma e relatório do processo de
aprendizagem e desenvolvimento da criança.
Em relação ao registro diário os professores são orientados
a realizá-los
[…] diariamente. Para que isso aconteça, efetivamente, o
professor deverá organizar-se para que possa registrar de forma significativa
aspectos relevantes da aprendizagem e desenvolvimento das crianças e refletir
sobre a sua prática. É importante ressaltar que não será possível registrar
tudo, de todas as crianças, todos os dias. (GOIÂNIA/SME, 2011).
Warschauer (1993, p. 63), que
afirma “o registro permite que vejamos a historicidade do processo de
construção dos conhecimentos, porque ilumina a história vivida e auxilia a
criação do novo a partir do velho”. Escrever não é algo fácil e natural
principalmente em dizer sobre nossa prática, do trabalho com crianças pequenas,
pois demanda além da descrição dos acontecimentos a reflexão da ação onde tudo
é possível. Descrever é o início do processo e que leva os sujeitos a se
inquietarem ou não na sua produção escrita.
Registrar não tem regras,
mas não pode ser entendido somente como instrumento que assegura a ação
pedagógica e que dá segurança/garantia sobre os acontecimentos para a Equipe
Diretiva e famílias.
Para Ostetto; Oliveira;
Messina (2001, p. 24), este “não pode ser concebido, nem utilizado como forma
de controle, de qualquer coordenador ou supervisor”, e complementamos da
família e comunidade. O registro diário é compreendido como avaliação do
trabalho docente.
Para Lopes (2009), “o
registro está ancorado em determinado planejamento – e, com ele, em uma
concepção de escola, de criança, de educação – e em início na observação atenta
e cuidadosa por parte do educador” (LOPES, 2009, p. 64).
Machado (2010) considera
em sua pesquisa que as profissionais
[…] registram como
transcorre o trabalho, as participações e os interesses demonstrados pelo grupo
de crianças. Todavia, nem todas expressam em seus relatórios uma análise
crítica do que foi desenvolvido, com apontamentos dos aspectos que necessitam
de redimensionamento. A observação cuidadosa e a análise crítica se constituem
aprendizagens realizadas no decorrer da carreira docente, alterando-se diante
das necessidades e dúvidas sinalizadas, que se diferenciam em cada momento
(MACHADO, 2010 p. 11-12).
Nesta perspectiva o
registro é “constituído a partir da prática e a subsidia, tendo como referência
a observação e a avaliação do que foi concretizado. Essas professoras valem-se
desses registros para redimensionar sua ação docente” (MACHADO, 2010, p. 13),
Outra questão relevante
refere-se à socialização dos registros nas instituições de Educação Infantil.
Para Lopes (2009), o não entendimento das instituições educativas quanto ao
registro pode gerar a não reflexão do trabalho docente passando para a
descrição das atividades, pois a
[…] desconsideração
da importância do registro certamente impede a concretização de práticas dessa
natureza; os professores não registram porque não conhecem esse instrumento,
porque escrever é difícil, porque registrar sozinho demanda esforço para lidar
com o isolamento, quando a proposta não integra o projeto político pedagógico
institucional (LOPES, 2009, p. 114).
Na defesa de que o
registro também se constitua em instrumento de memória institucional
concordamos com Lopes (2009), quando defende que os profissionais
Ao registrar,
produzem memória, deixamos uma marca no tempo. Consideramos então importante
resgatar práticas de registro na história da Educação Infantil, tentando
identificar os pressupostos e as concepções a elas subjacentes. Conhecer a
história para compreender o presente, percebendo no passado as raízes do que
vivemos no momento atual (LOPES, 2009, p. 94).
Por fim
considera-se que o registro na organização do
trabalho pedagógico é um instrumento necessário para a reelaboração constante por
compreender que este deve ser assumido pelos profissionais enquanto instrumento
formativo, reflexivo e avaliativo e por representar os sentidos e significados
que os sujeitos dão à prática docente.
REFERÊNCIAS
BARBOSA, Ivone G.; ALVES, Nancy N. de
L.; SILVEIRA, Telma A. T. M. O professor e o trabalho pedagógico na educação
infantil. In: LIBÂNEO, José Carlos; SUANNO, Marilza Vanessa Rosa; LIMONTA,
Sandra Valéria (org.). Didática e
práticas de ensino: texto e contexto em diferentes áreas do conhecimento.
Goiânia: CEPED/ Editora PUC Goiás, 2011. [p. 133-149]
GOIÂNIA.
Secretaria Municipal de Educação. Orientação
para elaboração do relatório individual do processo de aprendizagem e
desenvolvimento da criança e do relatório mensal do agrupamento/ turma.
Goiânia, SME/DEI, 2010.
_________.
Secretaria Municipal de Educação. Regimento
dos Centros Municipais de Educação Infantil. Goiânia, 2004.
LEITE, Maria Isabel. Linguagens e
autoria: registro, cotidiano e expressão. In: OSTETTO, Luciana E.; LEITE, Maria
Isabel. Arte, infância e formação de
professores: autoria e transgressão. 6. ed. Campinas-SP: Papirus, 2010. [p.
25-39]
LIBÂNEO, José Carlos. Organização e gestão da escola: teoria
e prática. 5. ed. Goiânia: MF Livros, 2008.
LOPES, Amanda Cristina Teagno. Educação Infantil e registro de práticas.
São Paulo: Cortez Editora, 2009.
MACHADO, Ilze Maria Coelho. Registros
pedagógicos de professoras da educação infantil. In: ANPED, 33, 2010. Caxambu. Anais… Caxambu, 2010.
OSTETTO, Luciana Esmeralda.
Observação, registro, documentação: nomear e significar as experiências. In:
OSTETTO, Luciana Esmeralda (org.). Educação
Infantil: saberes e fazeres da formação de professores. 3. ed. Campinas,
SP: Papirus, 2010. [p. 13-32]
OSTETTO,
Luciana Esmeralda; OLIVEIRA, Eloisa Raque de; MESSINA, Virgínia da Silva. Deixando
Marcas...: prática do registro no cotidiano da educação infantil.
Florianópolis: Cidade Futura, 2002.
WARSCHAUER,
Cecília. A Roda e o registro: uma
parceria entre professor, alunos e conhecimento. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1993.
[1] Formada em
Pedagogia e Especialista em Educação Infantil pela Universidade Federal de
Goiás. Professora Coordenadora do Centro Municipal de Educação Infantil 13 de
Maio.
[2] Palestra proferida na V
Conferência do Projeto Educação Infantil Tecendo sua História, promovida pela
Secretaria Municipal de Educação/Departamento Pedagógico em 05 de março de
2010.
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